Em tese, a punição criminal pode atingir qualquer CPF (Cadastro de Pessoa Física) ou, até mesmo, CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica).
Tanto os funcionários da empresa quanto a companhia, enquanto pessoa jurídica, podem ser responsabilizados, segundo advogados ouvidos pela reportagem.
Não há grau hierárquico que esteja imune. Podem ser atingidos de gerentes e auditores externos a conselheiros e o presidente da empresa — desde que se comprove que alguma responsabilidade, direta ou indireta, no incidente.
Por exemplo: um engenheiro que agiu de má-fé em seus laudos, mas também um diretor que soube de problemas na barragem e se omitiu, explica Gilberto Passos de Freitas, desembargador aposentado e especialista em responsabilização por dano ambiental.
Na prática, porém, responsabilizar executivos não é tão fácil, afirmam os advogados.
No caso de Brumadinho (MG), onde rompeu a barragem da Vale na sexta-feira (25), a expectativa é que as ações penais contra executivos e técnicos da Vale sigam a linha dos processos movidos contra funcionários da Samarco, após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), há três anos.
Entre os crimes apontados pelo MPF (Ministério Público Federal) estão homicídio, inundação, desabamento, lesão corporal, além de diversos crimes ambientais.
Esses processos, movidos contra 21 executivos, conselheiros e funcionários, ainda não foram julgados e seguem em tramitação, ainda na primeira instância.
A punição criminal é mais difícil justamente pela necessidade de comprovar a responsabilidade específica da pessoa e porque o julgamento penal é mais rigoroso do que o civil, diz Freitas.
Ele cita como exemplo um caso mais antigo: o vazamento de óleo da Petrobras em Araucária, no Paraná, em 2000.
À época, a ação penal contra o então presidente da estatal, Henri Philippe Reichstul, foi trancada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), porque não foi encontrada uma relação consistente de causa e efeito entre ações ou omissões do executivo e o vazamento.
Essa dificuldade não se limita ao Brasil. Nos Estados Unidos, a responsabilização de executivos por acidentes ambientais é rara.
Em um dos piores acidentes do país, o vazamento de petróleo provocado pela explosão de uma plataforma da BP no Golfo do México, em 2010 — que matou 11 trabalhadores e deixou 22 feridos — nada aconteceu com os dirigentes da companhia.
A maior punição foi dada em 2016 a um fiscal de sondas, que se declarou culpado de uma acusação menor e ficou dez meses sob liberdade condicional.
David Rainey, ex-vice-presidente da petrolífera, foi absolvido por um júri em 2015 das acusações de mentir para agentes federais sobre a quantidade de petróleo que vazou.
O problema é que, tal como no Brasil, é preciso evidenciar que houve, por exemplo, omissão dos executivos, afirma Blaine LesCene, professor de direito da Loyola University, em Nova Orleans.
Para Rena Steinzor, professora da faculdade de direito da Universidade de Maryland, só multar ou penalizar financeiramente a empresa é insuficiente para convencer as empresas a mudarem seus processos para evitar novas tragédias.
“Quando você prende um executivo, você diz que ele é um criminoso. Você manda uma mensagem mais direta a outros executivos”, diz.
No Brasil, a responsabilização penal de companhias, como pessoas jurídicas, por crimes ambientais também tem sido um desafio, segundo os advogados.
Essa punição criminal pode ocorrer, mas só caso se comprove que houve alguma decisão de um diretor ou do corpo diretivo da empresa que tenha sido tomada no interesse desta empresa ou para beneficiá-la, afirma Luiz Carlos Vasconcellos, especialista em direito penal ambiental do escritório Tabet Advogados.
Há, novamente, a necessidade de comprovar, por exemplo, que dirigentes decidiram postergar uma medida de segurança para conter despesas.
“Se estiver tudo correto, as licenças em dia, os protocolos de manutenção seguidos, é muito difícil falar-se em crime envolvendo a pessoa jurídica. Somente depois de um inquérito bem formado poderá se chegar a essa conclusão. É por isso que os processos demoram”, diz Vasconcellos.
Nos últimos anos, algumas mudanças facilitaram essa responsabilização, explica Rodrigo Brandão Lex, advogado ambientalista e professor da PUC-SP.
A primeira delas foi o entendimento do STF de que, para responsabilizar a empresa, não seria preciso comprovar a culpa de algum funcionário ou dirigente da companhia.
Até 2017, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) entendia que, sem comprovar o crime da pessoa física, o processo contra a pessoa jurídica não poderia avançar.
“Isso dificultava muito, porque identificar a culpa específica de uma pessoa física é mais complexo”, diz Lex.
Outra alteração foi o fim da exigência de laudos da polícia científica, com assinatura de dois peritos, para dar início ao processo.
O problema, afirma o advogado, é que a política não tinha equipes especializadas em crimes ambientais.
Segundo a advogada Ana Claudia Franco, sócia do Tabet, Bueno e Franco Advogados e especialista em direito ambiental, há outro debate possível sobre a responsabilização das instituições financeiras de reparar o dano ambiental causado pelas atividades por elas financiadas.
Uma resolução do Banco Central atribui a elas o dever de gerenciar os riscos ambientais envolvidos no empreendimento ou atividade antes de conceder um financiamento. (Via: Folhapress)
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